domingo, 20 de janeiro de 2008

Repertório: ORAÇÃO


Em "Oração", escrita em 1957, Fernando Arrabal coloca os personagens Fídio e Lilbé numa busca pela felicidade e por um sentido para suas vidas. Após matarem uma criança, decidem se tornar bons e puros. Para isso, lêem o Velho e o Novo Testamento, mas a descoberta da história de Jesus os desconcerta.
Confrontados com os valores cristãos, eles repensam suas ações, até então baseadas unicamente no compromisso com o prazer e a diversão.
A descoberta dos escritos religiosos os lança num terreno que desconheciam. Seus atos, antes inocentes aos seus olhos, passam a carregar o peso de uma moral rígida e clara. Diante dela deverão abdicar de muitas práticas que os ajudaram, até então, a driblar o insuportável vazio da existência.
Conseguirão, através dos Livros Sagrados, alcançar a tão esperada felicidade?
Lilbé não parece muito convencida desta possibilidade. Para ela, as ações inspiradas nos ideais de retidão e bondade, poderão resultar em mais frustração e vazio, em mais solidão e dor de existir.
Fídio, em contrapartida, procura convencê-la do contrário. Percebe que não lhes resta muitas alternativas e tenta conduzir Lilbé por este novo caminho. A busca dos personagens pode ser vista como uma parábola a respeito de nossas próprias tentativas de encontrar algo que nos dê alento e sentido para nossas existências.




















FERNANDO ARRABAL

Fernando Arrabal nasceu em Melilla (Marrocos espanhol), no dia 11 de agosto de 1932. Seu pai, Fernando Arrabal Ruiz, era comunista e foi preso em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola. Durante seis anos percorreu as prisões de Ceuta, Ciudad Rodrigo e Burgos. Em Ceuta tentou o suicídio; de Burgos, fugiu, e nunca mais foi visto.
Em 1959, na novela autobiográfica Baal-Babilônia, Arrabal refere-se ao pai e à importância que teve em sua vida: “Um homem enterrava meus pés na areia. Era na praia de Melilla. Lembro-me das sua mãos em minhas pernas. Eu tinha três anos. Enquanto o sol brilhava, o coração e o diamante se estilhaçavam em inúmeras gotas de água. Perguntam-me sempre quem mais me influenciou, quem admiro mais, e então, esquecendo Kafka e Lewis Carroll, a terrível paisagem e o palácio infinito, esquecendo Gracian e Dostoiévski, os confins do universo e o sonho maldito, respondo que foi alguém de quem me lembro apenas das mãos nos meus pés de criança: meu pai”.
Sua mãe, Carmen Teran Arrabal, mulher muito religiosa e devotada rigidamente às obrigações domésticas, envergonhava-se do marido ateu e “vermelho”, omitindo a Fernando e seus dois irmãos todas as informações sobre o marido. Quando Arrabal Ruiz foi julgado, em março de 1937, e condenado a trinta anos de prisão, Carmen não fez o menor movimento no sentido de ajudá-lo a suportar a prova. (...) Chegou-se mesmo a aventar a possibilidade de que teria sido ela a denunciá-lo à Falange. Em Os Dois Carrascos (Les Deux Bourreaux), o próprio Arrabal sugere a delação, mas, em 1956, quando escreveu essa obra, seu rancor contra a mãe ainda estava muito vivo.
Cidadão espanhol, Fernando Arrabal vive na França desde 1955. Contrário ao regime do generalíssimo Francisco Franco, partiu para um exílio voluntário, da mesma forma que outros intelectuais espanhóis.
Com a morte de Franco, em 1975, muitos desses artistas puderam retornar. Menos Arrabal, “persona non grata” no país desde 1967. Nesse ano, acompanhado da esposa, Luce Moreau, Arrabal viajou para a Espanha. Em Madri, foi abordado por um jovem que, entregando-lhe um volume de seu livro mais recente (Celebrando a Cerimônia da Confusão), pediu uma dedicatória e um autógrafo. Alguns dias depois, em Múrcia, sua casa foi invadida por um grupo de policiais; usariam a força, se recusasse. Arrabal só veio a saber do motivo de sua prisão quando foi enviado para a Penitenciária de Madri. Era acusado de ter escrito uma dedicatória sacrílega e antipatriótica, pela qual poderia ser condenado de seis a doze anos de reclusão.
Enquanto Luce Moreau procurava, por todos os meios possíveis, conseguir sua liberdade, Arrabal permanecia encarcerado numa solitária. Foi solto, algumas semanas mais tarde, à espera do processo. As autoridades espanholas haviam ficado surpresas com os telegramas e cartas de protestos que chegaram do mundo inteiro.
Em setembro, Arrabal sofreu um julgamento absurdo pelo qual foi condenado a pagar cinqüenta mil pesetas de multa. As autoridades espanholas nunca perdoaram a Arrabal o fato dele denunciar publicamente a repressão política e de refletir em sua obra as contradições de seu país de origem.
Apesar da admiração pelos autores de vanguarda, Arrabal afirmava que suas obras tinham horizontes mais selvagens, menos especulativos e mais espetaculares. Longe de qualquer preocupação teórica, colhia a matéria teatral dentro de sua memória, de seus medos e pesadelos. Obcecado por uma infância prisioneira, Arrabal criava personagens sem idade definida, usando uma linguagem e uma lógica que não faziam parte do mundo dos adultos. São freqüentes os jogos de palavras, o nonsense, a violência instintiva, as imagens colhidas no inconsciente. Arrabal diz que escreve tudo o que lhe passa pela cabeça, que não revê o que cria, nem se detém numa palavra ou frase para refazê-la. Não é incomum que suas peças girem em torno do mesmo tipo de personagem, temas e situações, infatigavelmente repetidos, como se o autor tivesse um compromisso muito maior consigo mesmo que com o público. “Eu escrevo para mim, como para me drogar. Se o público não gosta, tanto pior. É um jogo, uma exaltação.”
Geralmente o herói de Arrabal é ambíguo. Tirano e escravo, bom e cruel, inocente e culpado, vítima e carrasco, vive sempre à margem de um mundo ordenado que ele não compreende. Seu espaço, a terra de ninguém; sua condição, a miséria. A maior ameaça que paira sobre ele vem do mundo exterior, expressa através da repressão brutal e anônima que surpreende seus valores anti-sociais e sua liberdade, acabando por imobilizá-lo.
Desde sua primeira peça de teatro, Piquenique no Front (Los Soldados), Arrabal escreveu inúmeras obras, montadas em teatros do mundo inteiro: Oração (Oraison), O Triciclo (Los Hombres del Triciclo), Fando e Lis (Fando et Lis), Cerimônia para um Negro Assassinado (Cérémonie pour un Noir Assassiné), O Labirinto (Le Labyrinthe), Os Dois Carrascos (Les Deux Bourreaux), Cemitério de Automóveis (Le Cemetière des Voitures), Os Quatro Cubos (Les Quatre Cubes), A Primeira Comunhão (La Communion Solennelle), Concerto Dentro de um Ovo (Concert Dans un Oeuf), Guernica (Guernica), A Bicicleta do Condenado (La Bicyclette du Condamné), O Jardim das Delícias (Le Jardin des Délices) e aquela que é considerada uma de suas melhores peças, O Arquiteto e o Imperador da Assíria (L’Architecte et L’Empereur d’Assyrie).

FICHA TÉCNICA

Autor: Fernando Arrabal

Tradução: Inês Cavalcanti

Direção, Iluminação e Sonoplastia: Tatiana Maduro

Elenco: Alex Fontte e Elaine Braga
Rodrigo Teixeira e Roberta Heggendorn

Fotos (cor): Regina Lo Bianco

Operador de Luz: Erlon Ismério

Cenário e Figurinos: Laboratório Cênico

Supervisão: Carlos Pimentel

Produção: Laboratório Cênico









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